Contemplando o Mercado, por Inácio Medeiros

Sep 01, 2024

Análise Especial - O Fato Estilizado número 11 de Rama Cont

Deparei-me recentemente com este post do Kadima Asset Management no Instagram que falava sobre Fatos Estilizados. Este termo curioso é referente a um artigo do pesquisador Rama Cont que fala sobre propriedades estatísticas comuns a diversos ativos (e classes) do mercado financeiro. O artigo lista 11 fatos estilizados, dos quais o último (dentre outros) me chamou à atenção, e aqui trago a tradução trazida pelo post do Kadima Asset Management:

Assimetria nas escalas de tempo: Medidas de volatilidade em escalas de tempo mais amplas preveem a volatilidade em escalas de tempo mais curtas do que o contrário.

Este fato estilizado me chamou à atenção por ser um fato que podemos analisar de maneira relativamente simples (e, claro, empírica). Por causa disso, resolvi "tirar isso a limpo" e fazer uma análise de se isso acontece ou não.

Primeiro passo: selecionando os ativos e coletando os dados

Resolvi testar o fato estilizado em ativos relacinados a índices de bolsas de valores, tesouro americano, commodities, ouro e Bitcoin. A lista abrangendo os tickers de cada ativo e uma breve descrição deles pode ser conferida abaixo, montada pelo Perplexity (prompt aqui).

Aqui está a tabela em markdown, escrita em língua portuguesa, com os tickers solicitados:

Ticker Descrição
^GSPC Índice S&P 500, que representa as 500 maiores empresas de capital aberto dos EUA. É considerado um dos principais indicadores do mercado de ações americano.
^BVSP Índice Bovespa, principal indicador de desempenho das ações negociadas na B3, a bolsa de valores brasileira. Reflete o comportamento das principais ações do mercado.
^N225 Índice Nikkei 225, o principal índice da Bolsa de Valores de Tóquio. Representa as 225 maiores empresas japonesas listadas na primeira seção da bolsa.
^FTSE FTSE 100, índice das 100 empresas com maior capitalização listadas na Bolsa de Londres. É um importante indicador do mercado de ações do Reino Unido.
^GDAXI DAX 40, índice das 40 maiores empresas da Bolsa de Frankfurt. Representa o desempenho das principais companhias da economia alemã.
VWO ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice que mede o retorno de ações de empresas localizadas em países de mercados emergentes.
AGG ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice que mede o mercado total de títulos de renda fixa com grau de investimento e tributáveis nos EUA.
GLD ETF que busca refletir o desempenho do preço do ouro. Oferece aos investidores uma forma de investir em ouro sem a necessidade de armazenamento físico.
BTC-USD Par de negociação Bitcoin/Dólar americano. Bitcoin é a primeira e mais conhecida criptomoeda descentralizada do mundo.
TLT ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice de títulos do Tesouro dos EUA com vencimento de 20 anos ou mais.
IEF ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice de títulos do Tesouro dos EUA com vencimento entre 7 e 10 anos.
VTI ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice que mede o retorno de investimento de todo o mercado de ações dos EUA.
DBC ETF que busca acompanhar o desempenho de um índice composto por contratos futuros de 14 commodities amplamente negociadas.

Assim como na análise do portfolio de Ray Dalio, utilizei aqui a biblioteca Python yfinance para baixar os dados OHLC (Open, High, Low, Close) do Yahoo Finance referentes a cada ticker (a propósito, os códigos da análise estão disponíveis aqui). Feito isso, vamos ao nosso segundo passo:

Calculando e avaliando a volatilidade

Tradicionalmente, a volatidade é calculada como sendo o produto entre o desvio-padrão dos retornos de um ativos em um determinado período e a raiz quadrada do período utilizado (para saber mais, veja este artigo da Investopedia e este artigo do Seeking Alpha). E eu digo a você: eu utilizei esta fórmula para calcular a volatilidade e fazer a análise. No entanto, ler o artigo de Rama Cont me fez "virar a chave" (finalmente) para um detalhe que eu em parte já entendia mas que nunca me tinha caído a ficha até então. A grosso modo, dados de mercado financeiro não seguem a distribuição normal (Gaussiana). Até aí tudo bem, quem mexe com finanças quantitativas já está careca de saber isso (inclusive o artigo traz boas discussões sobre isso e inclusive o autor dedica boa parte do trabalho às "caudas longas"). E aí vem o pulo do gato: a forma como o desvio-padrão tradicionamente calculado (confira esta lição da Penn State University para saber mais) leva consideração que os dados justamente seguem a distribuição normal! E agora?

Eu tive então a seguinte ideia: ao invés de calcular a raiz-quadrada da variância (forma tradicional), e depois multiplicar pela raiz do período, eu calculei a volatilidade como sendo a variação entre os "quantis" (ver este post para saber mais) de 95% e 5%, respectivamente, dos retornos no período. O cálculo de variação que usei foi basicamente o logartimo natural da divisão entre o quantil de 95% e o de 5%.

A ideia por trás disso é: períodos com alta volatilidade irão apresentar intervalos de valores maiores para a divisão definida acima, enquanto que períodos de volatilidade pequena irão assumir intervalor menores. O uso do logaritmo natural da divisão de valores inclusive é uma fórmula tradicionalmente utilizada em finanças quantitativas para calcular retornos, uma vez que produz resultados simétricos (ex: o "log_natural(2/3)", tirando o sinal negativo, vai produzir o mesmo resultado que "log_natural(3/2)").

Para poder avaliar e comaparar o poder preditivo de volatilidades longas e curtas, eu decidi me utilizar de uma métrica muito comum em Aprendizado de Máquina chamada Informação Mútua, que justamente traz uma forma de quantificar o poder preditivo de uma característica sobre outra. Apesar dela ser mais comumente utilizada em problemas nos quais você quer prever uma categoria, aqui a gente quer prever um número (para saber mais sobre, veja este link). Ainda assim, a biblioteca que usei para calcular ela tem um módulo adaptado para utilizá-la em problemas de "prever um número" (inclusive tem artigo que explica a diferença de uso). Observação final importante: quanto maior for o valor da informação mútua, maior será o poder preditivo da volatilidade. Ou seja: nossa hipótese aqui é que volatilidades longas terão informação mútua maior do que volatilidades curtas.

Agora que sabemos como fiz para calcular a volatilidade, vamos ao nosso terceiro passo:

Fazendo os experimentos

Para testar se uma volatilidade longa consegue prever uma volatilidade curta melhor do que o inverso, a gente precisa elicitar três coisas: quais períodos para volatilidades curtas utilizar, quais períodos para volatilidades longas utilizar, e para quais períodos futuros (quantos dias frente) testar. E aqui entra o ponto talvez mais crucial e delicado da análise: no artigo de Rama Cont, ele chama de volatilidade curta aquela com período de 30 minutos, e de longa aquela com período de 1 dia. Quando eu faço análises, eu utilizo normalmente dados diários (que foi o caso aqui),e infelizmente só vim me atentar que há uma forma de baixar dados de intra-day usando o yfinance no momento da escrita deste post, então deixo como dever de casa analisar intra-day versus diário. As volatilidades curtas e longas, assim como os períodos futuros para testar foram os seguintes:

  • Volatilidade curtas: 2 dias, 3 dias, 5 dias e 10 dias
  • Volatilidade longas: 1 mês, 3 meses, 6 meses e 1 ano (aqui eu considero "1 mês" como sendo 21 dias, e os demais períodos como sendo múltiplos de 21 dias. "1 ano" corresponderia a 252 dias (21 dias * 12 meses))
  • Períodos futuros: 1 dia, 3 dias, 5 dias, 10 dias, 1 mês, 3 meses e 6 meses (na parte do mês, mesmo esquema de antes)

A ideia então foi calcular a informação mútua de todas as combinações possíveis dos valores acima e comparar os pares de volatilidades (por exemplo, a informação mútua de uma volatilidade de 1 mês sobre a volatilidade de 2 dias do dia seguinte, e vice-versa; a informação mútua da volatilidade de 1 mês sobre a volatilidade de 3 dias do dia seguinte, e vice-versa; e etc.). Detalhe importante, vamos ver isso para cada ativo da tabela da seção do Primeiro Passo.

Resultado do experimento (e discussão sobre)

Uma vez que a quantidade de combinações entre volatilidades e períodos futuros é bem alta, resolvi sumarizar os resultados em duas imagens. A primeira, a seguir, ilustra, para cada ticker de ativo da tabela do início deste post, as distribuições de Informação Mútua tanto para as Volatilidades Longas predizendo as Curtas (boxplots azuis) como para o inverso (boxplots laranjas), isso agregando todos os resultados para todos os períodos futuros.

Distribuição de Informações Mútuas

Figura 1 - Distribuição das Informações Mútuas obtidas para Volatilidades Longas predizendo Volatilidades Curtas e vice-versa

Conforme podemos observar, o resultado obtido é o "exato oposto" do que o fato estilizado diz: as volatilidades curtas possuem um poder preditivo melhor do que as longas! E pior: em ativos como o AGG e o VTI, a melhor Informação Mútua obtida para uma volatilidade longa bate no quartil de 25% da volatidade curta.

Aí a gente pode se perguntar: será que, para algum período específico, poderíamos ver volatilidades longas se saindo melhor que as curtas? Nisso, temos a segunda imagem, desta vez mostrando a média das Informações Mútuas dentre os períodos futuros para cada ativo:

Médias de Informações Mútuas

Figura 2 - Média das Informações Mútuas obtidas para Volatilidades Longas predizendo Volatilidades Curtas e vice-versa

E a resposta é clara: não. Em qualquer período futuro, a volatilidade curta tem poder preditivo melhor que a longa.

Nisso, temos alguns pontos a considerar. Primeiro, as janelas de tempo utilizadas aqui estão todas na faixa de dias, semanas e meses, enquanto que o fato estilizado original preconizada uma comparação entre minutos e dias. Se a gente parar para pensar, a diferença de escala neste segundo caso é bem maior do que no primeiro caso, então só por aí já dá para desconfiar que o resultado pode sair diferente. Um segundo ponto é que estamos trabalhando aqui com volatilidade como sendo a variação entre dois quantis, quando normalmente ela é calculada como o produto do desvio-padrão pela raiz do tempo. Aí cabe um detalhe importante: originalmente este estudo foi feito utilizando este cálculo original, e o resultado não mudou quando troquei a fórmula.

Dias depois de eu ter fechado as duas imagens acima para começar a escrever este post, eu encontrei este artigo em que os autores tiraram a limpo todos os 11 fatos estilizados do artigo do Rama Cont, em que 8 deles foram devidamente comprovados, 1 foi "não foi confirmado", e outro teve "suporte fraco". O fato estilizado que teve o "suporte fraco" foi justamente o que analisamos aqui, o que mostra que "não estamos sozinhos nessa". E isso porque não só os dados utilizados pelos autores são completamente diferentes do que usei aqui (eles usaram dados de intra-day e de diário de 10 ações, dados estes obtidos diretamente de corretoras dos Estados Unidos), bem como a metodologia usada para avaliar também foi completamente diferente.

Apesar disso, ele trazem uma observação interessante: o paper de Rama Cont foi lançado em 2001. Desde então, a regulação americana de compra e venda de ativos em bolsa mudou drasticamente (você avalie no Brasil). Por causa disso, é de certa forma natural que a dinâmica das negociações de ativos, e mesmo das flutuações, também tenha mudado, afetado em algum ponto o comportamento estatístico destas flutuações. Além disso, é importante considerar que a dinâmica do mercado de renda variável é fruto não só do seu contexto histórico mas também do comportamento e fator humano, que aliado às mudanças nas legislações, muda a forma de operação.

Epílogo

Foi muito curioso ver que uma simples análise não só levou a resultados em direções opostas às de um paper seminal, bem como ver que outro estudo conduzido de forma completamente diferente chegou à uma observação muito próxima. Este tipo de resultado tem um impacto adicional ainda, pois, no artigo de Cont, estes fatos estilizados também se configuram como propriedades das quais modelos que simulam a flutuação de preços de ativos deveriam ter. Como o tempo passou e a legislação mudou, vemos que realmente é necessário dar uma "reciclada" nestas propriedades. Além disso, é importante considerar que o artigo é de 2001 (23 anos atrás em relação ao tempo da escrita deste post). Em ciência, artigos com idade a partir de 5 anos já são considerados "antigos", sendo necessário estudar artigos mais recentes para checar as novidades. Por conta disso, é natural que conclusões obtidas há um bom tempo sejam refutadas/corrigidas/etc.

Conforme mencionei no início do post, os códigos e dados da análise estão disponíveis neste link, e para quem curte analisar dados, fica como dever de casa não só explorar essa análise desta vez considerando dados de intra-day, como também testar em outros ativos (ações individuais, outros ETFs etc.), bem como verificar se alguma volatilidade longa individual conseguiu ainda assim ter Informação Mútua melhor que alguma Volatilidade Curta. Outra coisa a se testar seria trocar a métrica de avaliação: ao invés de usar Informação Mútua, usar correlação, por exemplo.

Até a próxima postagem!

Aug 18, 2024

Análise Especial - O portfolio de Ray Dalio


Surpresa! Dei um "unpause" no blog! Depois de aproxidamente um ano e meio, consegui arrumar um tempo e montar um estudo especial sobre o portfólio de Ray Dalio, personalidade do mercado financeiro que inspirou e inspira muitos, os quais me inspiraram a criar esse blog. Sem mais delongas, fiquem com o estudo!


Ray Dalio é uma figura bastante conhecida no mundo dos investimentos e mercado financeiro por várias coisas. As principais delas são seu livro de princípios e o seu "All Weather Portfolio", que trabalha com ideias ligadas à paridade de risco. As ideias por trás do portfolio são as seguintes:

  • Ele é composto por "classes de ativos" que são descorrelacionadas entre si (ou pelo menos próximas disso);
  • A composição do portfolio permite que ele tenha bons resultados em qualquer momento econômico (seja ele bonança ou crise).
  • A composição do portfolio permite que ele tenha uma volatilidade reduzida em relação às classes de ativos (ou mesmo nos ativos) de individualizadas, logo o "risco de investimento" é "minimizado".

A ideia do post é aqui, então, é a gente "tirar isso a limpo" e ver se a coisa realmente bate. Parafraseando Ian Neves, "começando pelo final", a coisa realmente bate. Bate 100%? Não, mas chega muito perto (só não bate 100% "por besteirinha"). Vamos lá?

Primeiros passos

O primeiro passo é saber quais classes de ativos utilizar e suas percentagens no portfolio. Segundo este artigo, são elas:

  • Ações dos EUA (30%)
  • Tesouro Direto dos EUA de longo prazo (40%)
  • Tesouro Direto dos EUA de prazo intermediário (15%)
  • Commodities (7.5%)
  • Ouro (7.5%)

Vou ficar devendo a referência de onde tirei os tickers que utilizei para puxar os dados, mas, respectivamente, são eles: VTI, TLT, IEF, DBC e GLD. O artigo do Seeking Alpha que citei também fornece os tickers, porém ele foi acessado depois que fiz a análise, para a escrita deste blog (falha minha). De toda forma, é importante destacar que há uma discrepância muito grande entre sites quando se fala de quais tickers utilizar. Apesar de tudo isso, os tickers que usei são exemplos comuns das classes de ativos utilizadas para o portfólio, então vale o uso deles.

O próximo passo foi baixar os dados. Para isso, utilizei a biblioteca Python yfinance, que baixa os dados OHLC (Open, High, Low, Close) do Yahoo Finance. O código que fiz para esta análise está todo em Python, disponível aqui.

Informação importante: os dados de cada classe de ativos, por causa da disponibilidade do Yahoo Finance, tem diferentes "datas de inicio" (apesar de terem a mesma "data de fim", que foi 8 de agosto de 2024). A gente vai ver mais na frente que foi feita correlação par-a-par, e neste caso acabaram sendo utililzados "diferentes intervalos" para cada par, buscando maximizar o tamanho do intervalo. Dito isso, a data inicial mas antiga obtida dos dados é 15 de junho de 2001 e a mais recente é 6 de junho de 2006. Somente uma classe (Ações EUA) tem essa data mais antiga e também uma só (Commodities) tem a mais recente. As duas classes de "Tesouro Direto" tem início em 2002 e Ouro tem início em 2004. Ou seja, as análises de correlação vão pegar períodos variando entre 18 e 22 anos.

Processando os dados para a análise

De posse dos dados, a próxima tarefa foi calcular as duas principais métricas para fazer a análise: retornos das classes de ativos e correlação. Para cada classe, foram calculados retornos diários através do logaritmo natural da divisão do preço de fechamento de cada data sobre o preço de fechamento da respectiva data anterior. De posse destes retornos, foram calculadas correlações de Pearson entre cada par de classes. Estes mesmos retornos também foram utilizados para "tirar a limpo" as ideias ligadas ao desempenho do portfolio.

Agora sim vamos "tirar a limpo" as ideias do porfolio de Ray Dalio.

Tirando a limpo a correlação

A ideia das classes de ativos serem descorrelacionadas entre si é justamente para que quando uma das classes estiver indo mal, alguma outra consiga compensar o prejú. Na prática, só ter a classe não basta, tem que ajustar as proporções também, isso é um pilar essencial, por isso citei no início do post. Apesar da gente não explorar as proporções nesta análise, nós vamos nos utilizar delas nas análises de desempenho, para calcular o desempenho do portfólio.

Mas beleza, hora de tirar a limpo a questão da correlação:

Correlação entre as classes de ativos

Figura 1 - Correlação entre as classes de ativos

Nota rápida: correlações positivas indicam que os retornos dos pares de classes estão na mesma direção. Correlações negativas indicam direções opostas (que idealmente é o que queremos, para gerar o equilíbrio da coisa).

Um rápido guia para interpretar os valores: até 0.3 a correlação é fraca, então a coisa está descorrelacionada mesmo. Entre 0.4 e 0.6, a correlação é moderada, ou seja, tem um "cheirinho" de correlação começando (esse site trás umas ilustrações legais de conferir esses comportamentos). De 0.7 para frente já era, temos correlação na parada.

Com base nisso, podemos dizer que no geral, esse lance de ser tudo descorrelacionado base quase 100%. Isso porque as duas classes de "Tesouro Direto" tem correlação próxima de 1, e os pares ações-commodities e commodities-ouro tem correlações moderadas (ou seja, esboça-se um início de correlação na parada). Isso denota que mesmo que você tente abarcar "toda a diversidade do mercado" (que no fundo é o que Dalio tenta fazer), vão ter momentos em que "aproxiadamente" esse lance de compensação vai é pro ralo, e todo mundo "aproximadamente" ruma para uma direção só (seja alta ou baixa). Isso implica que, de certa forma, se você quiser trabalhar com menos classes ainda, é possivel.

Apesar da grande maioria de pessoas e "gurus" no mercado financeiro, incluindo o próprio Dalio, incentivarem a diversificação de investimentos, defendendo justamente a questão de minimização da volatilidade/risco, há alguns aqui e ali que defendem justamente o oposto. Como diria Buda, "o melhor caminho é o do meio". Pela matriz acima, é possível ver que daria para tirar, num primeiro momento, uma classe ou outra para garantir o descorrelacionamento entre todo mundo.

Além dessa matriz, eu também fiz o seguinte: calculei correlações par-a-par de classes, desta vez utilizando janelas de 22 dias ("um mês"). A partir destas janelas contei quantas vezes a correlação entre cada par ficou acima de 0.5 ou acima de 0.7. Segue o resultado:

Vezes em que os pares de classes tiveram correlação moderada ou forte

Figura 2 - Número de vezes em que os pares de classes tiveram correlação moderada ou forte

Como podemos observar acima, ao longo dos últimos 20 anos houve uma quantidade não-desprezível de vezes em que as classes rumaram numa mesma direção. Apesar disso, podemos destacar os pares "Tesouro Direto (Longo ou Intermediário)-Commodities", com uma quantidade quase nula de vezes, e o par "Tesouro Direto Intermediário-Ações", com uma quantidade bem pequena também. Isso reforça a ideia de que talvez não se precise montar um portfolio com muita coisa diferente, principalmente se você for pessoa física com não muita grana (mas não tomem isso como recomendação).

Agora vamos tirar a limpo questões ligadas ao desempenho do portfolio.

Desempenho do portfolio

Para calcular o desempenho do portfolio como um todo, primeiro eu "alinhei" os retornos de cada classe pela data. Este alinhamento faz com que os dados se iniciem em 2006, pelos motivos comentados anteriormente na parte das correlações. Para o conjunto de retornos por data, multipliquei cada retorno pela sua respectiva percentagem e depois somei tudo. Dessa forma, temos os retornos do portfólio por data, e assim podemos fazer comparações com as outras classes.

A primeira coisa que vamos "tirar a limpo" é se o portfolio realmente tem bom desempenho em qualquer momento do mercado. Para isso, vamos avaliar se ele pelo menos fica no positivo (entre muitas aspas) sempre. Para avaliar isto, apliquei janelas deslizantes de 20 ("1 mês"), 60 ("3 meses"), 252 ("1 ano"), 756 ("3 anos"), 1260 ("5 anos"), 2520 ("10 anos") e 3780 ("15 anos") dias, usando a função soma como agregação. Com isso temos o retorno do portfólio em "todos os possíveis períodos contínuos de cada janela". A tabela 1 ilustra as percentagens de períodos em que o portfólio teve resultado positivo, alguma das classses teve resultado positivo (no mesmo período) e se o portfólio foi negativo e alguma classe foi positiva em um mesmo período.

Percentagens de resultados positivos para o portfólio comparado com outras classes

Tabela 1 - Percentagens de resultados positivos para o portfólio comparado com outras classes

Aqui temos um comportamento curioso: quando a gente "aumenta o zoom" colocando a janela para um período bem pequeno, vemos que o portfólio sofre consideravelmente, mas à medida que vamos "diminuindo o zoom" o efeito do retorno vai sendo visível, ao ponto que na janela de 1260 dias (5 anos) o porfólio sempre apresenta resultado positivo, independente da início desde 2006. O mesmo vale para classes "de forma geral" (numa janela de 10 anos sempre alguma delas vai estar no positivo). Isso mostra que portfólio é um investimento para se segurar e trabalhar no médio e longo prazo, não no curto (o que, de certa forma, "é o esperado").

Outra tabela que montei é a percentagem de vezes em que cada classe tem o maior retorno em cada tipo de janela de tempo diferente (Tabela 2).

Percentagens de vezes em que cada classe tem o maior retorno em cada janela de tempo

Tabela 2 - Percentagens de vezes em que cada classe tem o maior retorno em cada janela de tempo

Aqui podemos observar algumas coisas interessantes: independente da janela de tempo, a classe "Ações EUA" sempre tem a maior percentagem melhor desempenho, chegando a ser a única com melhor desempenho na janela de 15 anos. Além disso, a classe "Tesouro Direto EUA de Longo Prazo" sempre abocanha alguma fatia até a janela de 10 anos, e o Ouro também. "Tesouro Direto EUA de Prazo Intermediario" sempre tem uma fatia bem pequena até a janela de 3 anos (curiosamente, os prazos dos títulos intermediários presentes no IEF variam de 3 a 10 anos, então isso explica um pouco). E finalmente, olhando para a tabela, é como se houvesse um "comportamento de cauda longa nela". Além disso, percebam que Commodities, Títulos Longos e Ouro tem percentagens próximas entre si nas janelas até 1 ano.

Para fazer a reflexão sobre isso, trago de volta as percentagens de alocação do portfólio:

  • Ações dos EUA (30%)
  • Tesouro Direto dos EUA de longo prazo (40%)
  • Tesouro Direto dos EUA de prazo intermediário (15%)
  • Commodities (7.5%)
  • Ouro (7.5%)

Não por acaso ações e títulos longos tem o maior percentual: ações é o carro chefe do rendimento, seguido dos títulos longos (pelo menos pelo que vemos na tabela). Esse balanço Ações vs Títulos é um modelo interessante ao ponto de existirem modelos de portfólio que envolvem somente estas duas classes. E de fato, a gente observa que a correlação entre eles é negativa (-0.33), e que são "raros" os momentos que eles apresentam alta correlação (vide Figura 2). Dessa forma, é natural 70% do portfólio ser composto por eles. Eu suponho que adicionar as outras classes acabe sendo muito mais com um objetivo de fazer proteção e diminuir ainda mais volatilidade do que necessariamente aumentar os retornos.

Para fechar este post, trago um painel simples de métricas e curvas de retorno do portfólio e de cada classe individualmente (considerando todo o período desde 2006):

Painel de métricas de desempenho de portfólio e classes individualizadas

Figura 3 - Painel de métricas de desempenho de portfólio e classes individualizadas

Conforme esperado, o portfólio apresenta uma volatilidade menor que a de todas as demais classes com exceção dos títulos de prazo intermediário. O retorno médio por ano encontra-se maior que os títulos e menor que ouro e ações, o que também é algo esperado dada sua composição. Considerando que as taxas de juros americanas estão na faixa dos 5.5% em agosto de 2024, dá para se ver que o portfólio na média "deixa a pessoa no 0 a 0", isso se não tiver um "pequeno lucro". Olhando para as curvas, nota-se que o portfólio só perde justamente para ações e para o ouro. O que se pode estranhar a princípio é que, apesar de tudo isso, o drawdown máximo do portfólio foi maior que o de todas as classes com exceção dos títulos de médio prazo. Uma explicação que poderiamos dar para isso seria justamente a combinação dos ativos, ao dar poder de retorno, também contribui para o prejuízo. Queiramos ou não são 40% alocados em ações, então acaba sendo uma contribuição considerável.

Para fechar o post

O portfólio do Ray Dalio realmente "cumpre" com a sua ideia de diminuir o risco em comparação às classes de ativos individualizadas e oferece um retorno médio interessante se comparado com a "renda fixa". Mesmo apresentando momentos de prejuízo no curto prazo, o portfólio no longo demonstra ser realmente rentável. Além disso, a análise de correlação mostrou que se quiser, dá para "enxugar" ele ainda mais. E pensando num cenário de pessoa física montando seu próprio portfólio, a máxima "menos é mais" é essencial.

Apesar de não ter sido explorado aqui, os percentuais de alocação dados para classe de ativos são um aspecto tão importante quanto as próprias classes, uma vez que são eles quem trazem a diminuição da volatilidade. Por causa disso, mesmo que se resolva tirar uma classe ou duas (exemplo, Títulos de prazo intermediário e commodities), é necessário estipular novos percentuais para que a propriedade de volatilidade reduzida permaneça.

No fim das contas, é um portfólio mais voltado para quem coloca "segurança" como prioridade na hora de investir, mas não quer deixar de aproveitar bons retornos trazidos por classes mais "agressivas". Um aspecto interessante deste portfólio é que ele não utiliza a classe dos REITs ("fundos imobiliários") na sua composição, e não "isola", por exemplo, o petróleo, tal qual fez com o ouro. Tais "substituições" (ou "adições") são pontos interessantes para se analisar.

Para fechar, fica o lembrete: não tem essa análise como recomendação de compra ou venda. É como dizem, "retornos passados não garantem lucros futuros". Além disso, investir em renda variável involvem pagar uma série e taxas e impostos que não foram cobertos nesta análise, e que na prática afetam e muito a rentabilidade do portfólio. Façam seus próprios estudos também e procurem especialistas do teu banco ou da tua corretora para ajuda antes de tomarem qualquer decisão.

Parafraseando o que falo na página de página de metodologia, caso vocês notem algum erro, ou tenham alguma dúvida sobre alguma coisa neste post e nos outros, não deixem de entrar em contato comigo pelo e-mail contemplandoomercado@gmail.com. A propósito, caso queiram ver por aqui algum novo estudo, é só falarem também.

Epílogo

Espero que tenham curtido esse "unpause" no blog. Infelizmente não posso prometer voltar com as análises mensais de antes, uma vez que minha capacidade de fazer os posts de forma recorrente (por hora) foi para o espaço. Por causa disso, o blog vai acabar funcionando no "modo golfinho" (aparece, faz uma gracinha e some) trazendo algum estudo especial.

Até a próxima postagem!

Jan 05, 2023

Pausa no Blog

Galera, estou dando uma pausa nas atividades do blog por tempo indeterminado. Apesar desta pausa, acredito que o que publiquei por aqui já deve ter dado uma boa noção a vocês de como é a dinâmica do mercado financeiro internacional e dos movimentos das classes de ativos como um todo.

Se você está lendo este post pelo Substack, gostaria só de lembrar que este blog tem um "backup" neste link. Na verdade, o blog começou nele, depois é que fomos para o Substack.

Importante lembrar também que trata-se de uma pausa, não do encerramento do blog, então há uma chance de em algum momento do futuro nós retomarmos as postagens.

A todxs vocês que tiraram um tempo para ler as postagens, o meu muito obrigado.

Até a próxima postagem!

Oct 08, 2022

Análises - Setembro de 2022


Primeira vez no blog? Dá uma olhada na primeira análise que fizemos aqui para entender como interpretar os gráficos de prêmios de risco. Confira também a página de metodologia para entender como geramos as figuras das análises.


Bem galera, continuando com a nossa programação normal, vamos às análises do mês de Setembro de 2022, marcado pela campanha eleitoral no Brasil para Presidência, Governos Estaduais, Senado e Legislativo (Federal e Estadual).

Teremos algumas "novidades estruturais" no post deste mês, resultado de algumas reflexões que fiz sobre as análises durante a corrida presidencial.

Conforme vimos na nossa primeira análise especial, Setembro é um mês que, na média, tem dado prejuízo para boa parte das classes de ativos, em especial o Ethereum (ETH-USD) e a prata (SLV). Vamos ver se isso aconteceu desta vez.

Movimento dos prêmios de risco

Movimento dos prêmios de risco

Figura 1 - Movimento dos prêmios de risco

E temos aqui a primeira novidade: resolvi deixar somente o movimento dos prêmios somente dos últimos 3 meses (mantendo os quantis históricos de 1% e 99%). Fiz isso pois na prática o foco das nossas análises está sendo exatamente no "curto prazo". De toda forma, como já exibimos em posts anteriores os movimentos históricos, creio que não teremos muito prejuízo com essa mudança de layout.

Agora, sim, vamos de fato às análises. De forma bem geral, pudemos de fato ver dicotomia de movimentos entre as classes de renda fixa e de ações este mês. Enquanto os prêmios dos títulos públicos americanos (SHY, IEF e TLT) tiveram movimentações de alta em setembro (com bastante volatidade), os prêmios das ações e REITs fizeram forte em queda, com destaque para S&P500 (IVV) e ações de crescimento (VUG), cujos prêmios ficaram bem próximos do quantil de 1%.

Na Renda Fixa, por outro lado, os títulos de curto prazo (SHY) chegaram a fechar o mês na zona positiva. Apesar disso, se analisarmos o desenho formado a partir da metade de Julho, podemos interpretar que esta alta em setembro pode simbolizar um "descanso do movimento de queda" que vem acontecendo desde o meio do ano, e que há possibilidade dos prêmios da renda fixa cairem em Outubro.

Uma coisa que me chamou à atenção nos prêmios das ações e REITs foi um repique para a zona de 0 logo no início do mês antes do movimento de baixa realmente acontecer. Isto é um fenômeno que vez ou outra é observado em quem faz trading, porém a "linha de referência" utilizada é normalmente uma média móvel, por exemplo. Ainda neste contexto de trading, misturando um pouco com investimentos, uma hipótese que podemos fazer é que de alguma forma agentes institucionais (grandes bancos, fundos de investimentos etc.) "deram um jeito" de fazer os preços subirem um pouco para diminuirem o prejuízo. Uma vez que os preços ficaram numa zona mais interessante, terminaram de se desfazer dos ativos que tinham, e aí o preço foi lá para baixo. Só lembrando que isto é mera especulação minha, o motivo pode ter sido outro completamente diferente. Tem vários outros fatores no meio, como inflações globais, aumento dos juros nos EUA etc. etc.

Passando agora para o setor de commodities, Setembro foi marcado basicamente por continuações dos movimentos já observados em Agosto. O prêmio de risco da Prata (SLV) continuou o movimento lateral que vem fazendo desde Julho, ficando sempre 0% e -10%. Apesar disso, ele fechou o mês acima do ponto em que começou, encostando na faixa de 0%. Ouro (IAU) também passou por isso (e na prática, passou o mês caindo), fechando em alta em relação ao início do mês.

O prêmio do petróleo (XOP), porém, devolveu todo o lucro obtido em Agosto, fazendo um movimento bem direcional para baixo. E assim como vimos com os prêmios das ações, eu não duvidaria que isso possa ter sido (em parte) um movimentação dos "instituicionais" (grandes bancos, fundos de investimentos etc.). Por fim, o prêmio do Urânio também fez um movimento direcional de baixa, tal o XOP, conseguindo porém fechar o mês na zona de 0%, apesar de ter ficado em níveis inferiores aos do início do mês.

Fechando a seção com as criptos, tivemos o prêmio do Bitcoin lateralizado, fechando o mês em alta, na zona de 0%. O do Ethereum, por sua vez, começou Setembro lateral, fazendo depois movimentos direcionais para baixo e para cima, respectivamente.

Um fenômeno curioso que aconteceu com os prêmios de ações, REITs e criptos é que eles ou chegaram bem próximo do quantil de 1%, ou atingiram a mesma região que fundos anteriores bem recentes antigiram (chamamos isso de "zona de suporte", no trading). Falando especificamente das criptos, percebam seus prêmios fecharam o mês subindo. Será que teremos movimentos de alta na renda variável em Outubro? Ou será que poderemos ter os quantis de 1% "atualizados"?

Outro fenômeno curioso aconteceu com a Prata: é a terceira vez desde Julho que o prêmio bate na zona de 0%. Ele caiu nas duas vezes anteriores. Será que a Prata continua nesta "zona de acumulação" (ou seria "distribuição"?) ainda em Outubro? Ou será que ela rompe para cima, fazendo um movimento direcional?

Seguiremos monitorando.

Agora que discutimos bastante sobre os movimentos dos prêmios, vamos dar uma olhada nas correlações entre eles.

Correlações entre grupos de classes de ativos

Correlações entre classes de ativos

Figura 2 - Correlações entre classes de ativos

E vamos à nossa segunda mudança estrutural: resolvi trazer primeiro, dessa vez, as correlações dos grupos de classes de ativos. Dessa forma, a gente olha primeiro para o panomara geral, e o que pescarmos que pontos interessantes para vermos com mais calma, a gente se aprofunda no próximo quadro.

Dito isto, temos três pares de grupos que chamaram bastante à atenção este mês:

  • Títulos US e Commodities: Tivemos uma queda de agosto para setembro, de -0.2 para -0.38. Isto certamente reflete a dicotomia do aumento dos prêmios dos Títulos e a lateralização das commodities.
  • Commodities e Ações: Aqui tivemos um fenômeno curioso: a correlação permaneceu igual (em 0.36) de Agosto para setembro, mesmo os prêmios de ações fazendo um movimento bastante direcional.
  • Títulos US e Criptos: Tivemos um aumento significativo nas correlação entre os dois grupos (ainda que ela ainda esteja na zona negativa): de -0.11 para -0.00089. Minha interpretação é que as lateralizações do BTC (em parte) contribuiram para isso. É importante mencionar que a cripto mais famosa da história tem orbitado o antigo topo de 2017/2018 nestes meses recentes (ou seja, muito comprador "defendendo o Bitcoin" nesta região). Esta (também) dicotomia de criptos laterais/títulos crescendo ajuda a explicar a "correlação 0" entre os dois grupos.

Vamos agora olhar o quadro de correlações com esses direcionamentos.

Quadro de correlações

Quadro de correlações

Figura 3 - Quadro de correlações

Vimos na seção anterior que Títulos US e Commodities tiveram uma baixa considerável em sua correlação. O quadro acima (comparando com o de Setembro) ilustra o motivo disso: a Prata! Se em Agosto a correlação dela com SHY, IEF e TLT (Títulos de curto, médio e longo prazo, respectivamente) estava entre 0.2 e 0.3, em Setembro ela caiu para a faixa de 0.08 a 0.20! Mais especificamente, de 0.25 para 0.08 com SHY, 0.36 para 0.1 com IEF, e 0.43 para 0.18 com TLT! O que uma lateralização não faz... A propósito, a correlação do XOP (Petróleo) com os títulos continua lá em baixo, não mudou muito de Agosto para Setembro. Ouro também, embora tenha igualmente caído (mas não mais que 5 pontos percentuais).

E não pense que a correlação da Prata caiu só com os Títulos, pois caiu com as ações também! Pois é, mesmo a correlação entre os grupos (commodities e ações) tenha ficado na mesma, a correlação da prata com as classes de ações caiu consideravelmente: de 0.47 para 0.29 com o IVV, de 0.51 para 0.37 com o VUG, e de 0.37 para 0.18 com o ILCV.

Com a criptos, por outro lado, a correlação aumentou: de 0.09 para 0.2 com o Bitcoin, e de 0.13 para 0.18 com o Ethereum. Como as criptos também lateralizaram em Setembro, é natural a correlação aumente.

Fechando agora com a dupla Títulos US vs Criptos, percebemos que de Agosto para setembro tivemos aumentos consideráveis entre todos os pares dos dois grupos de classes. O destaque vai para o IEF, cuja correlação com o BTC saltou de -0.12 para 0.02 (saiu de uma correlação negativa para uma correlação neutra). Com o Ethereum, o salto foi de -0.1 para 0.

Comentamos na análise de agosto sobre a possibilidade de ter havido oportunidade de se fazer rebalanceamento de carteira (isso para quem segue alguma estratégia de investimento). Pelo que vimos aqui, parece que o mês de Setembro reforçou isso. Vamos ver o que vem por aí nos próximos meses.

Finalizando o post

Até onde o autor deste blog sabe e até o momento da escrita e publicação deste post, ainda não saiu nenhuma notícia sobre um novo crash nas bolsas globais nem na do Brasil. Apesar disso, o "bear market" segue. A prata segue em uma lateralização que parece muito com uma acumulação (ou distribuição). E pelas análises do Ryteband, talvez esteja mais para uma acumulação. Não duvidaria que o petróleo também estivesse (embora com uma volatilidade bem maior). Vamos ver o que vem por aí nos próximos meses.

Para fechar a finalização do post, um "spoiler": estou preparando uma segunda análise especial, desta vez em cima de uma das classes de ativos que acompanhamos aqui no blog, bem como planejando uma terceira, seguindo a mesma linha da que está para sair. Não vou prometer que vai sair logo, mas já está quase engatilhada. Aguardem.

Até a próxima postagem!

Sep 05, 2022

Análises - Agosto de 2022


Primeira vez no blog? Dá uma olhada na primeira análise que fizemos aqui para entender como interpretar os gráficos de prêmios de risco. Confira também a página de metodologia para entender como geramos as figuras das análises.


Bem galera, continuando com a nossa programação normal, vamos às análises do mês de Agosto de 2022, famoso no Brasil pelo codinome "o mês do desgosto".

Movimento dos prêmios de risco

Movimento dos prêmios de risco

Figura 1 - Movimento dos prêmios de risco

E realmente foi o mês do desgosto. Não só por ter sido um mês que não teve feriados no Brasil, como também por ter sido um mês em que a grande maioria das classes de ativos tiveram seus prêmios de risco caindo durante o mês. Como exceções, temos a prata (SLV), o Urânio (URA), e ele, o nosso outlier, o Petróleo (XOP). Enquanto SLV e URA andaram de lado, o XOP fez um movimento de alta bastante expressivo, vindo a devolver uma parte dessa alta logo no fim do mês.

Se a gente parar para observer, o Petróleo é uma classe de ativos interessante de se acompanhar, estudar e até mesmo pensar como uma escolha de alocação em um portifólio de investimentos. Parando para relembrar os posts recentes de análises que fizemos aqui, veremos essa é uma classe de ativos que anda bem na contramão das outras, revelando-se assim um bom instrumento de diversificação, por exemplo.

Importante lembrar aqui: não tomem isto como recomendação de compra ou venda. Lembremos do que comentei nas boas-vindas e na primeira análise feita aqui no blog (seção "Finalizando o post").

Voltando: apesar da alta no XOP (Petróleo) este mês, que o faz ter esse papel de balanceador frente às outras classes, é importante pontuar algumas coisas. Primeira, conforme vimos na nossa primeira análise especial, não só o prêmio de risco do XOP, na média, costuma cair durante o mês de agosto, como os prêmios dos Títulos Estadunidenses (SHY, de curto prazo; IEF, de médio prazo; e TLT, de longo prazo), na média, tem suas maiores altas justamente em Agosto. Logo, o que rolou em Agosto em 2022 pode ter sido um movimento dentro da "região esquerda do primeiro desvio padrão" (confiram este link e este link para terem uma noção do que estou querendo dizer aqui) ou um outlier.

Segunda: o mundo provavelmente está em recessão econômica ( link, link, link). Falo provavelmente pois no momento ainda não possuo conhecimento suficiente para falar sobre. Apesar disso, o fato é que a inflação ao redor do mundo tem subido bastante e as taxas de juros nos Estados Unidos (e no Brasil também) tem decolado (No Brasil, desde o início de 2021, e nos EUA, desde o início deste ano). Isso gera duas consequências: (1) os investidores tendem a tirar parte de sua grana da renda variável para colocar em renda fixa. Dessa forma, se tem muita gente fazendo esse movimento, e aqui eu falo dos ricaços mesmo, os preços de ações, imóveis etc. tende "naturalmente" a cair, pela aquela velha "lei da oferta e da procura"; (2) como os títulos dos EUA são prefixados, seu movimento acaba sendo o inverso do da taxa de juros, ou seja, se a taxa sobe, os preços deles caem.

Em suma, estamos em uma época em que "se espera que hajam quedas". Relembrando ainda a análise especial, a gente pode perceber na Figura 1 da análise que normalmente o retorno médio agosto para SP500 (IVV), Ações de Crescimento (VUG) e de Valor (ILCV) costuma ser menor que o de Julho. No caso do ILCV chega a ser negativo. Nas Criptos, o retorno fica menor em Bitcoin (BTC-USD) e negativo em Ethereum (ETH-USD).

Terceira coisa (pra fechar): estamos entrando em Setembro, mês conhecido por grandes crashes no passado (que também comentamos na análise especial). O mês de agosto foi um "ensaio"? O tempo dirá, e seguiremos acompanhando.

Agora que discutimos bastante sobre os movimentos dos prêmios, vamos dar uma olhada nas correlações entre eles.

Quadro de correlações

Quadro de correlações

Figura 2 - Quadro de correlações

Na análise desse mês vou focar somente nas correlações dos últimos três meses, por motivos de "inércia do movimento da correlação no longo prazo" que já vimos em posts anteriores.

Começando com o Petróleo: vemos que a correlação do seu prêmio de risco com os de classes ações aumentou significamente (por exemplo, de -0.64 para -0.32 com o IVV). A minha interpretação é que essa alta recente que teve no prêmio do XOP acabou de alguma forma "compensando" a movimentação de baixa dos meses anteriores, fazendo como que ele ficasse num patamar, em termos de movimentação, "menos diferente" do dos prêmios das ações.

As ações, por outro lado, tiveram suas correlações de curto prazo com os "Títulos US" diminuídas também significativamente (por exemplo, a correlação dos prêmios de SHY e IVV saiu de 0.62 para 0.34, e a dos de VUG e SHY, de 0.47 para 0.23). Detalhe que isso aconteceu mesmo ambos os grupos de classes apresentando baixa em Agosto. Isso evidencia o argumento de quem usa e defende a Paridade de Risco como método de investimento sobre sempre ter no portifólio diferentes classes de ativos, por exemplo ações e títulos, por garantir a possibilidade de pegar esse tipo de evento. Quem sabe os Títulos voltem a subir enquanto as ações continuem caindo? (apesar de particularmente eu achar isso pouco provável, frente ao que comentamos anteriormente).

Outro ponto de destaque que eu trago aqui são as criptos: como "todo mundo caiu junto" em Agosto, a correlação dos prêmios delas com os das classes ligadas a Títulos e Ações deu salto enorme. Talvez o maior destaque vá para a correlação dos prêmios de Bitcoin (BTC-USD) e Ações de Valor (ILCV), que saiu de 0.01 em Julho para 0.57 em Agosto. Estamos falando de ter saído de um nível de "correlação nula" para "correlação alta". Detalhe que a correlação histórica das duas classes é de 0.46. O Ethereum (ETH-USD) também teve uma alta nesta mesma correlação: saiu de 0.19 em Julho para 0.59 em Agosto, sendo a histórica 0.38.

Com os títulos não foi diferente, e ainda teve um detalhe adicional: as criptos com eles saíram de uma correlação negativa para positiva. O destaque aqui vai para a correlação com os prêmios dos títulos de longo prazo (TLT). Com o BTC, saiu de -0.28 para 0.04. Com o ETH, de -0.16 para 0.06. Estamos falando aqui de classes que estavam em movimentos opostos e agora estão começando a fazer o mesmo movimento. Em todo caso, a correlação histórica de BTC com TLT é de 0.09, e do ETH, 0.04.

Parando para pensar agora, o que estes movimentos podem também estar sinalizando é um momento para, por exemplo, quem segue alguma estratégia de investimento, fazer rebalanceamento de carteira, ou seja, ajustar as percentagens de dinheiro investido em cada classes para as "proporções originais", por exemplo.

Correlações entre grupos de classes de ativos

Para fechar o post, vamos colocar as diversas classes de ativos em grupos maiores e ver como se correlacionam:

Correlações entre classes de ativos

Figura 3 - Correlações entre classes de ativos

"No apanhado", podemos ver a correlação dos grupos de Ações e Títulos reflete bem o que aconteceu entre as classes individualmente (saímos de 0.65 em Julho para 0.52 em agosto). Dessa vez, as correlações do grupo das Criptos com os todos os outros grupos de classes aumentou (em Julho, as correlações de Criptos com Ações e Criptos com Commodities havia diminuido, mesmo com "todo mundo fazendo movimento de alta").

Outro ponto de destaque vai para o REITs: as correlações deste grupo com Títulos e com Ações estabilizou de Julho para Agosto, reforçando a ideia de "anomalia" em relação ao que aconteceu em meses anteriores. Um ponto de atenção aqui vai para a correlação de REITs com Commodities: saiu de -0.15 em Julho para 0.24 em Agosto. Um salto surpreendente. Revisitando o gráfico da Figura 2, veremos que isso (mais uma vez) foi puxado pelo Petróleo, cuja correlação com classes de Ações dobrou no geral. Além dele, podemos ver, ainda na Figura 2, que as correlações dos prêmios da Prata (SLV) também deram uma baita contribuição, posto que aumentaram em torno 10 vezes de Julho para Agosto, com destaque para as correlações com os prêmios do SP500 (IVV), que saiu de 0.03 em Julho para 0.47 em Agosto, e (novamente) do ILCV, que saiu de -0.1 para 0.37, ou seja, saiu de uma correlação negativa para uma positiva, com vistas a se fortalecer!

Um ponto rápido para fechar esta seção: comparem a correlação histórica do grupo das Criptos e Commodities com a dos últimos 100 meses, isso agora em Agosto, sem olhar para Junho. Mais um provável sinal de "a hora de rebalancear chegou".

Finalizando o post

É, minhas amigas e meus amigos, as assimetrias e anomalias de mercado continuaram em Agosto. Petróleo vem mais uma vez roubando a cena, ainda mais em um cenário de tantas quedas. Prata quase passou desapercebida até que visualizamos as correlações. E da mesma forma que "fizemos alguns acertos" há uns posts atrás, dessa vez "erramos"! Na análise mensal anterior, dissemos que Agosto promete continuação desse movimento de alta pelo menos nos títulos, ações e criptos*.

É como dizem, "errar é humano". Outra coisa: quando se vai estudar sobre mercado financeiro, é muito comum ouvir que é "impossível prever o futuro". E como diria o Ryteband, "Seja humilde perante a incerteza". Ou seja, nem sempre estaremos acertando, dado componente de imprevisibilidade do mercado. Em todo caso, o contexto macroeconômico mundial já vinha dando algumas pistas de que essas quedas aconteceriam.

E justamente por isso que vale aquela máxima, "Seguiremos monitorando".

Setembro está começando. É um mês que marca o fim do terceiro semestre do ano. Alguns crashes no passado rolaram neste mês. O que será que pode vir por aí em Setembro de 2022?

Seguiremos monitorando.

Até a próxima postagem!

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